Segunda parte do artigo.
Parte 2
Autor: Eduardo Martins
OUTROS ASPECTOS PREJUDICIAIS
Além do interesse comercial, outros elementos podem “contaminar” a avaliação de um aparelho.
Quem publica os testes pode não ser retribuído financeiramente por uma avaliação positiva de um aparelho, mas pode, por exemplo, querer se favorecer de algum tipo de influência do fabricante ou comerciante. Ter uma marca forte vinculada à publicação ou a algum evento pode ser mais interessante que receber alguma vantagem pontual. Algumas vezes o avaliador pode querer usar sua avaliação para abrir caminhos para outros negócios, estabelecer uma rede de influências, ou até mesmo para conseguir uma aproximação com o fabricante para, por exemplo, obter uma loja autorizada ou uma representação regional exclusiva da marca. Nestes casos, haverá um grade interesse em agradar a marca.
Outras vezes pode existir uma tamanha afinidade entre o fabricante ou distribuidor do equipamento que o avaliador pode querer ajudar o “amigo”.
Outro motivo que pode prejudicar o resultado de um teste é como ele foi feito.
Em alguns casos percebemos que o teste sequer foi realizado. O texto parece uma cópia do manual do aparelho, com tratados bastante vagos e superficiais. Isso pode ser causado pela falta de disponibilidade do avaliador para realizar o teste, pelo cronograma apertado de fechamento de uma revista, pela própria falta de interesse do avaliador naquele equipamento, ou até por solicitação do fornecedor do aparelho, que muitas vezes quer a sua devolução breve ou deseja que um lançamento seja apresentado logo ao público.
Já vi um caso onde o artigo falava da vantagem de um recurso que, porém, o aparelho não possuía, ou então comentava alguma característica do equipamento que não correspondia à realidade.
Já identifiquei casos de montagem fotográfica de uma instalação supostamente avaliada, onde alguns equipamentos sequer estariam presentes no local.
Com relação aos sites com participação pública, é muito comum encontrarmos o avaliador “apaixonado”. Ele apresenta uma avaliação bastante pessoal do aparelho, ainda no clima de satisfação e euforia pela nova aquisição, e é capaz até de citar o cheiro do equipamento “zero”.
As pessoas têm a tendência de elogiar o que possui, de considerar que, “se ele tem é porque é bom (senão o melhor) “. Essa auto-afirmação da escolha certa acontece com veículos, times de futebol, marcas de cerveja e qualquer outra coisa. É uma visão apaixonada que chega ao ponto até de fazê-lo insistir que, excluindo o equipamento dele, os demais não prestam, e quem não tem capacidade de perceber isso, apresenta problemas de percepção. Não é normal que alguém defenda uma única marca com tanta insistência, principalmente num mercado como o do áudio e vídeo, cheio de opções de ótima qualidade. Todo equipamento tem virtudes e defeitos, e cabe a quem avalia mostrá-los friamente, imparcialmente, e em igualdade de destaque.
É bastante comum encontrar os ferrenhos defensores de marcas ou modelos, que não admitem críticas negativas de seus equipamentos, mas tão somente dos outros. É preciso fugir destas opiniões e avaliações feitas por eles, pois são pouco confiáveis e nada imparciais. Isso provoca calorosas discussões em fóruns e listas (o que já causou até o fim de alguns), e também só servem para confundir quem busca uma informação mais séria. A “paixão” pela marca é tão grande que os mais “apaixonados” incluem o logo do fabricante ou fotos dos aparelhos fixas em suas mensagens, como uma espécie de “marca pessoal”. Claro que muitas vezes o interesse, como já vimos, é puramente comercial, mas os seguidores do “o que é meu é o melhor” não param de crescer, e já são muito comuns.
Convém citar rapidamente aqueles casos de quem publica grandes elogios de determinado equipamento, valorizando-o e, ao possuí-lo, buscando facilitar a sua venda próxima ou futura.
Ainda, é preciso lembrar que muitos não têm as condições necessárias para realizar um teste com o devido cuidado. Muitos avaliam qualidade sonora de um equipamento sem sequer ter uma audição apurada para tanto. Já conheci alguns casos de pessoas que conviveram com sons em alto volume, que apresentam perceptível perda de audição, que ouvem equipamentos em volumes, diríamos, “insanos”, justamente por conta de suas limitações auditivas, e mesmo assim apresentam avaliações detalhadas das sutilezas de alguns equipamentos e, por outro lado, mostram-se incapazes de perceber óbvias diferenças sônicas entre cabos de interconexão ou força (chegando mesmo a dizer que seus sistemas são livres destes “voodoos”).
Mas, não são somente as limitações pessoais que prejudicam o resultado de um teste, mas as próprias condições técnicas da sua execução. Comumente vemos testes de áudio realizados em salas sem qualquer tratamento acústico ou elétrico. Estas deficiências podem fazer um bom equipamento ter um desempenho sofrível, e esconder as deficiências de outro com uma qualidade geral inferior, fazendo o segundo parecer melhor. É básico possuir uma acústica preparada, uma rede elétrica exclusiva e muito bem filtrada, cabos de interconexão de qualidade comprovada, além de outros cuidados importantes para uma correta avaliação. Por experiência própria, até a temperatura de uma sala ou o tipo de lâmpada utilizada em sua iluminação podem afetar o desempenho de um equipamento. As condições de teste são bastante complexas, e também bastante desprezadas pelos “reviewers de plantão”.
VALIDADE DOS TESTES
Para surpresa de muitos, vou fazer agora uma afirmação certamente bastante polêmica: NENHUM TESTE É CONFIÁVEL.
Se alguém acredita que um teste, por mais bem feito e imparcial que seja, pode ser suficiente para conhecer as reais virtudes e defeitos de um aparelho, lamento informar, mas está completamente enganado.
Não existe um critério ou uma metodologia de testes que seja perfeita, e começa pela definição da sala. Alguns buscam construir a sala ideal para testar os equipamentos, com tratamento acústico perfeitamente calculado, com sistemas anti-vibratório no piso, com paredes especiais, “medidas de ouro” (como citam alguns em relação às dimensões ideais de uma sala), e outras características semelhantes. Agora, seria este teste válido para a maioria das residências? Quantos podem ter uma sala assim e obter o mesmo resultado conseguido num teste sob aquelas condições tão ideais? Claro que uma sala deve ter um tratamento acústico mínimo, uma energia elétrica isenta de “sujeira” e variações de voltagem, deve ter condição de iluminação compatível com o equipamento de vídeo que será testado, e alguns outros cuidados básicos. Mas, testar um equipamento numa condição tão específica, pouco útil será para o consumidor comum. Seria como testar um carro em pistas perfeitas, e querer que ele tenha o mesmo desempenho em nossas ruas esburacadas.
Mas, o que deveria ser feito então? Talvez testar o equipamento em diversos ambientes e configurações? Sim, seria mais ou menos isso. Mas, claro que isso é praticamente inviável. Parece óbvio que são tantas as variáveis possíveis que qualquer avaliador ficaria louco tentando reproduzí-las. Desta forma, será que teríamos que desistir dos testes e deixar que cada um fizesse sua própria avaliação em casa? Sim, novamente. Esta seria uma condição melhor. Mas, a intenção não é acabar com a produção de testes, já que eles têm a sua utilidade, mas tão somente reafirmar o que foi dito logo acima, que nenhum teste é confiável. Jamais conseguiríamos abranger cada situação específica, e determinar se o equipamento possui realmente aquelas qualidades em qualquer condição. Quando, por exemplo, usamos um filtro de rede durante os testes, podemos estar escondendo uma falha do equipamento que aparecerá nas instalações habituais, sem o filtro. Já tive experiência também com um equipamento que tinha um comportamento bem diferente quando ligado em 110 Volts ou 127 Volts nominais. Isto acontecia porque, mesmo com uma tensão nominal de 127 Volts, nossa rede elétrica pode facilmente chegar aos 135 Volts ou mais, e muitos equipamentos importados são projetados para ter seu melhor funcionamento em 110 V.
A falta de um filtro de linha pode causar outro problema semelhante, no momento em que permite a inclusão de grande quantidade de harmônicos e ruídos elétricos no equipamento. Desequilíbrio tonal, aquecimento, travamentos e outras falhas de funcionamento, e “estalos” podem ser bastante comuns em aparelhos ligados sem um bom filtro. Pois bem, então bastaria dizer que com filtro e sem filtro o equipamento teria este e aquele comportamento, certo? Errado ! Filtros também têm comportamentos diferentes, e seria novamente necessário testar uma infinidade deles.
O equipamento também sofre variações brutas no desempenho dependendo da sala onde é utilizado. Um equipamento que recebeu grandes elogios do avaliador pode mostrar-se péssimo em outra sala. Não porque esta possua problemas, mas porque não possui características que otimizem o desempenho daquele equipamento específico.
Quantos consumidores já não se decepcionaram com a imagem do seu TV de plama ou LCD, bem diferente daquela vista na loja? E aquele review daquela publicação bastante confiável garantia que o TV tinha uma imagem maravilhosa… Pois é, se você comprou uma TV para ver sua novela preferida num canal aberto, poderá descobrir que a sua velha TV de tubo tinha uma imagem bem mais agradável. Mas, nenhum review vai testar uma TV de plasma ou LCD com canais de TV abertos. Certamente utilizarão sofisticados players e gravações de altíssima qualidade.
São tantas as possibilidades que não caberiam no espaço deste artigo, a não ser que o objetivo fosse escrever um livro.
Pior do que tudo isso, na minha opinião, é a falta de avaliação da qualidade construtiva do aparelho. Raros são os testes em que observei qualquer preocupação com isso, senão talvez na boa e velha Antenna. Falam do peso do aparelho, de seu espesso painel frontal, de seus botões maciços, e outros detalhes que pouco esclarecem sobre a sua verdadeira qualidade construtiva. Não por menos algumas revistas especializadas em automóveis, só para comparação, realizam testes de longa duração, rodando milhares de quilômetros com os carros em teste, e desmontando-o completamente ao final.
Pessoalmente, tive a oportunidade de testar um player de DVD que apresentava uma qualidade excepcional para uma determinada aplicação, e recebeu notas altas em testes no Brasil e no exterior. Porém, dei-lhe uma pontuação menor por conta da sua qualidade de construção, e isso mostrou-se oportuno, depois que inúmeras reclamações quanto à pouca durabilidade e falta de robustez do aparelho começaram a ser divulgadas. O aparelho usado no teste já veio com problemas, e parou de ler vários discos depois de apenas 3 meses de pouco uso, amargando agora a longa espera pela chegada das peças importadas para o seu conserto. Não vi em nenhum outro teste qualquer comentário em relação à sua construção precária, facilmente percebida até por detalhes de acabamento, e por sua visível gaveta de alojamento do disco de construção bastante frágil.
Talvez por limitações de conhecimento técnico ou falta de preocupação com isso, esse importante aspecto é desprezado.
Outra falha destas avaliações diz respeito à falta de algumas informações importantes que jamais poderiam ser desprezadas no texto, mesmo tratando-se de característica de aparelhos que usam determinada tecnologia, como no caso de alguns projetores DLP. Estes projetores podem apresentar, com maior ou menor intensidade, um problema denominado “rainbow effect” que pode incomodar bastante muitas pessoas. Sou bastante sensível à este problema, e o percebo tão facilmente que a utilização de um projetor DLP pode se tornar uma experiência extremamente incômoda pra mim, senão impossível.
Ainda, poucos avaliadores situam um equipamento na faixa de preço de seu mercado. Algumas revistas, principalmente no exterior, costumam criar um quadro com os pontos positivos e negativos do aparelho testado, e muitas vezes colocam o preço em uma destas posições. Não basta um aparelho possuir excelentes qualidades de desempenho e construção, ele tem que ter um preço compatível com a sua faixa de mercado. O que pode significar isso? Que um excelente aparelho pode não ser a melhor opção de compra, por existir equipamentos com desempenho semelhante, com qualidades técnicas idênticas, e mais barato! Afinal, poucos consumidores deste país podem se dar ao luxo de desprezar o preço de um produto.
Em alguns casos a avaliação sequer apresenta o preço, informando não estar disponível, ou dizendo que o fabricante não informou. Normalmente isso ocorre com marcas bem definidas, por conta da estratégia comercial do fabricante ou revendedor, e lamentavelmente a publicação colabora, inexplicavelmente, com essa omissão. Bastaria uma simples ligação para a loja e o preço seria logo conhecido, facilitando a vida do leitor. Mas, parece que o interesse do leitor nunca é prioridade nestes casos, como se a revista não fosse feita para ele, mas tão somente para os interesses do fabricante e da revenda.
É muito importante avaliar ao custo/benefício e a situação do aparelho na faixa de preço do mercado que participa. Algumas publicações no exterior chegam a comparar o aparelho testado com outros na mesma faixa de preço, não só em testes comparativos, mas também nos individuais, dentro do próprio artigo.
Outro ponto importante é a falta de atualização das avaliações. Algumas publicações européias e americanas chegam a alterar notas ou excluir alguns aparelhos há muito tempo não reavaliados.
É comum vermos aparelhos testados com comentários do tipo “ao colocar essas caixas acústicas em meu sistema ouvi detalhes que jamais achei que estavam naquela gravação…”
Isto é um grande problema, pois se as caixas anteriores não mostravam tantos detalhes, como ficam todos os demais equipamentos testados? Será que aquele amplificador que recebeu nota máxima em um teste recente mostraria estes detalhes agora?
Eu poderia citar aqui inúmeros outros argumentos para provar que nenhum teste é confiável, mas certamente eu precisaria de muito espaço e bastante tempo do leitor para isso. Eu poderia citar ainda o humor do avaliador, seu grau de exigência, sua condição emocional, sua predileção por determinadas marcas, as variações das características técnicas num lote de equipamento, as condições de amaciamento do aparelho, as características individuais de audição, os discos utilizados para teste, a metodologia, etc. São ainda muitos aspectos a serem explorados, mas acho que o objetivo aqui já foi atingido.
Concluindo, se nenhum teste é confiável, então eles não têm utilidade, certo? Ou seja, devemos desprezá-los de hoje em diante, correto? Errado e errado.
Os testes têm sim a sua utilidade, mas é preciso interpretá-los, saber entendê-los, e tirar algum proveito deles. Como? É o que veremos na última parte desse artigo.
Continua
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