De forma “sorrateira”, ruídos em sua sala são introduzidos na reprodução musical, afetando a qualidade do som sem que muitas vezes sejam descobertos.
Há muitos anos, a saudosa revista Antenna / Eletrônica Popular publicava testes e reportagens sobre áudio Hi-Fi, além de abordar outros temas sobre o incrível mundo da eletrônica que rapidamente evoluía na época. Na década de 80 acompanhávamos com interesse estes artigos, e eu já era um apaixonado pela reprodução de música em “alta fidelidade”.
Ficou gravado na minha memória um artigo intitulado: “Os ruídos que poluem a música”, que tratava sobre a interferência de sinais elétricos espúrios que afetavam a reprodução de áudio.
Ao escrever este artigo, me lembrei daquele título, e faço aqui esta homenagem à uma publicação que marcou época, e que não tinha qualquer receio em avaliar um equipamento e fazer as mais duras críticas, quando necessário.
O tema tratado aqui neste artigo é pouco abordado pelo mercado, que supervaloriza equipamentos e se esquece de fatores que são muitas vezes mais importantes até do que os próprios equipamentos. Muitos consumidores trocam continuamente de aparelhos na tentativa de corrigir problemas que, na verdade, estão na sua sala.
O mercado, na maioria das vezes, não quer que você saiba disso, pois a venda de equipamentos que alimenta os inúmeros (e muitas vezes desnecessários) upgrades, sustenta cadeias editoriais e comerciais de toda espécie.
Mas, a verdade é que se muitos consumidores se preocupassem com a elétrica, a acústica, o posicionamento de seus equipamentos e outros detalhes, estariam satisfeitos com o sistema que possuem hoje, com resultados até superiores daquele tão desejado sistema “top”.
Abordaremos aqui outro componente que prejudica a qualidade da reprodução sonora e que certamente está presente na maioria das salas de audição, que são os ruídos originados pela vibração de objetos que estão na sala.
Vamos iniciar por um conceito bem simples, abrangendo “ressonância” e “vibração” (extraído da Wikipédia):
“Em física, ressonância é a tendência de um sistema a oscilar em máxima amplitude em certas frequências conhecidas como frequências ressonantes ou frequências naturais do sistema. Nessas frequências, até mesmo forças periódicas pequenas podem produzir vibrações de grande amplitude, pois o sistema armazena energia vibracional.”
Em outras palavras, objetos podem vibrar com muita intensidade quando sua frequência natural de ressonância é atingida. Por exemplo, para a nossa finalidade, um som de determinada frequência é capaz de fazer vibrar um objeto ao ponto deste gerar um ruído bastante perceptível.
Como a música é composta de sons de várias frequências, podemos entender que os objetos da sala serão atingidos por estas frequências e poderão “vibrar” em determinadas passagens musicais. Quem já não percebeu isso principalmente com graves fortes sendo reproduzidos na sala?
Mas, não são apenas os graves que podem interagir com os sons, apesar de serem mais facilmente percebidos. Toda a faixa audível pode ser comprometida com estas vibrações.
Vou citar aqui algumas situações que eu vivi e que servem de exemplos.
A primeira aconteceu quando estava com um amigo em minha casa e o sistema de A/V estava ligado (HT com os 6 canais funcionando). Durante a apresentação, percebi que um som estranho saiu da caixa surround esquerda (uma B&W 602S3) em uma certa passagem, na forma de uma vibração incômoda.
Depois que o amigo se foi, resolvi verificar melhor aquilo, e ao reproduzir o mesmo trecho anterior a vibração ressurgiu, discreta, mas estava ali degradando o som.
Percebi que a tela frontal da caixa vibrava nas frequências emitidas por aquele trecho da reprodução. Retirei a tela frontal e o problema sumiu. Mais tarde resolvi o problema modificando a apoio da tela.
Em outra oportunidade, eu estava ouvindo música sozinho na sala e comecei a notar algo “estranho” no som, como uma estridência leve, pouco incômoda, mas que “poluía” a música.
Depois de muito investigar o problema, descobri a causa: uma latinha de refrigerante que estava sobre a mesa central da sala. Retirada a lata da sala, o problema sumiu.
E, recentemente, depois de tanto trabalho no sentido de eliminar todas as “vibrações espúrias” da sala, me vi em nova situação ao reproduzir um sinal de teste, que gerava frequências em toda a faixa audível.
Eu estava sentado no chão entre as caixas, junto à parede dos fundos, enquanto um equipamento de avaliação da curva de resposta do sistema realizava uma medição geral. Em determinado momento ouvi uma vibração forte junto à parede, apesar de pouco notada da poltrona.
Depois de procurar a causa do problema, descobri um simples “cartão” de papelão ornamental que estava na sala ao lado, mas que vibrava com intensidade suficiente para interferir na sala de audição por estar em contato com a mesma parede.
Frequentemente realizo testes para identificar novas vibrações na sala, e posso garantir que, ao serem eliminadas, a diferença pode ser bastante significativa, apesar de algumas vezes nem darmos conta da existência do problema.
Como identificar o problema?
A prevenção é a melhor solução, pois muitas vezes não percebemos facilmente a ocorrência do problema que pode ficar bem camuflado no som.
Com um disco de teste capaz de gerar um som variável com todas as frequências audíveis, podemos identificar alguns problemas. Dependendo da frequência reproduzida é possível perceber que algo está estranho naquela faixa, o que pode indicar a existência de uma ressonância de algum objeto na sala (não confundir com interações de acústica).
O passo seguinte é investigar de onde vem essa interferência.
Vibrações em baixas frequências são mais fáceis de serem descobertas. Conforme vamos chegando perto de sua origem, podemos aplicar pequenos socos em alguns objetos para ver se alguma vibração ocorre, caso não consigamos identificá-la durante a reprodução através da direcionalidade de nossos ouvidos. Um martelo de borracha é bastante útil para esta finalidade.
Inúmeros objetos podem causar vibrações que geram ruídos e interferem no som. Apenas para referência, seguem alguns deles:
– Vidro das janelas
– Vasos e outros objetos sobre mesas e estantes
– Portas de móveis
– Objetos dentro de móveis
– Lustres
– Telas frontais de caixas acústicas (incrível como a incidência desta causa é grande)
– Quadros (os vidros costumam gerar muita vibração)
– Forro de gesso (bastante comum e muito prejudicial – melhor evitá-los)
– Portas de passagem (inclusive de outros cômodos)
– Suportes de telas de projeção e de projetores ou TVs
– Tela de projeção
– Gabinetes de equipamentos (normalmente suas tampas)
– Lâmpadas
– Caixas acústicas mal apoiadas no piso (principalmente quando se usa spikes mal ajustados)
– E tantos outros
Qualquer objeto pode vibrar e gerar ruídos na sala, mesmo copos e latas de refrigerante sobre mesas e estantes. Até caixinhas de CDs podem vibrar.
O caso mais grave que já vi foi o de um médico de minha cidade. Ele me pediu para ver porque os graves do seu subwoofer eram tão ruins.
Quando estive em sua sala, percebi que os graves gerados ali eram horríveis e incomodavam muito. Depois de pesquisar um pouco a causa do problema, lhe pedi uma escada e assim pude alcançar o teto de gesso e pressionar a palma de minhas mãos neste teto. Imediatamente os graves ganharam definição e precisão.
O teto vibrava muito e prejudicava totalmente a reprodução dos graves no ambiente.
Depois de alguns meses soube que ele ainda não tinha conseguido resolver o problema, mesmo acrescentando mais suportes no gesso, reforçando a estrutura, aplicando espuma e outros recursos. Sua intenção era definitivamente retirar o gesso dali.
Recomendo muito cuidado com estes tetos rebaixados de gesso.
Como eliminar estas vibrações?
Já abordei algumas soluções para tratar destas vibrações em um de meus artigos para construção de uma sala dedicada
Acredito que vale a pena relembrar este tema novamente, pela sua importância e pela forma como ele cai no esquecimento diante da falta de interesse do mercado em explorar melhor esta questão.
Existem várias formas de tratar estas vibrações, adicionando massa (peso ao objeto), desacoplando-o de outras superfícies, aumentando a sua rigidez estrutural ou amortecendo-a, e até mesmo retirando do ambiente o objeto causador do problema.
Podemos adicionar massa a objetos como vasos, colunas de racks e pedestais, e outros que possam ser preenchidos com materiais como areia, bolinhas de chumbo e até massa de cimento.
Aumentar a rigidez estrutural pode ser uma solução, por exemplo, em móveis onde grandes laterais vibram excessivamente. É possível aplicar reforços de madeira, alumínio ou outro material “travando” estas laterais, deixando-as mais rígidas.
Também podemos amortecer superfícies com a aplicação de folhas de borracha, tintas emborrachadas e até espumas coladas nas faces que vibram.
Várias são as opções, e a criatividade pode ajudar muito a encontrar uma solução para cada problema.
Na foto abaixo, podemos ver os cuidados com alguns vasos para evitar que provoquem ruídos por vibrações em contato com algumas superfícies, ou como resultado de suas frequências de ressonância naturais.
Observe que pequenos pedaços de folhas de borracha foram recortados e colados na base do vaso acima. Com isso foi possível eliminar as vibrações do contato do vaso com a mesa.
Todo objeto pode se beneficiar desta solução. Isolar contato de superfícies através de componentes elásticos ajuda a eliminar ruídos entre as partes.
A situação é ainda pior com granito, vidro e outras superfícies mais duras.
A colocação de areia seca dentro do vaso também reduz enormemente a sua vibração, e é uma solução simples e econômica. Veja abaixo.
O vaso pode ser preenchido completamente ou com pelo menos dois terços de sua capacidade.
“Gotas de silicone” (que são aqueles pezinhos de silicone vendidos em cartelas até em supermercados) ou borracha são bastante úteis sob objetos maiores e atrás de quadros, como no exemplo abaixo:
Note que o silicone vai evitar o contato direto da moldura do quadro com a parede.
Outra dica é “travar” bem os vidros dos quadros. Se o vidro ficar “solto” dentro da moldura também poderá ser motivo de ruído.
Grandes áreas de vidro costumam vibrar muito, como é o caso de janelas e de quadros.
Já apliquei, com ótimos resultados, molduras falsas coladas em vidros de janelas, proporcionando maior travamento e amortecimento, como na foto abaixo, onde se vê a moldura colada pelo lado oposto do vidro. Mas, ela pode ser colada também dos dois lados, para esconder a emenda e aumentar ainda mais a sua eficiência.
Note que os vidros acima eram inteiriços, e foram divididos em 4 partes com a colagem com silicone das duas travessas (horizontal e vertical) de molduras de madeira em cada vidro.
A janela, que antes vibrava com os sons mais graves, se tornou inerte.
Copos e vasos de cristais vibram em frequências muito altas, e geram um som característico que pode ser somado à música e causar problemas sem que muitas vezes sejam claramente percebidos. Os agudos podem se tornar imprecisos e incômodos, e o ouvinte pode atribuir isso à uma característica original da gravação.
Além de cristais, outros componentes metálicos, além outros materiais, também podem “contaminar” os sons agudos. É preciso sempre ficar atento com isso, pois estes sons se mesclam e acabam se integrando à música sem uma aparente deterioração, mas, provocando o que alguns chamam de “coloração”, cuja definição mais correta seria um desvio do equilíbrio tonal, quando algumas frequências são alteradas, atenuadas ou reforçadas provocando um desequilíbrio harmônico.
Vale a pena fazer uma verificação sobre a introdução de ruídos indesejados por objetos que estão na sala e fazer as correções necessárias para eliminar estes problemas.
O ganho obtido com isso pode ser maior que um upgrade de equipamento, e ainda evitar a experimentação de cabos e ajustes no sistema para tentar corrigir estes problemas, nos levando de forma incorreta a atuar nas consequências e não na eliminação de suas causas.
Fornecemos a seguir um arquivo em MP3 que pode ser usado para fazer uma avaliação básica das ressonâncias da sala, e que pode ser baixado gratuitamente e gravado num CD para maior comodidade. As frequências variam de 20Hz a 20KHz (do mais grave ao mais agudo).
Reproduza este arquivo em seu sistema tomando extremo cuidado com o volume, para não danificar os alto-falantes.
Clique em “Arquivo de teste” para baixá-lo. Se ele abrir diretamente em seu navegador, então clique em “Salvar como” com as opções do botão direito do mouse.
Eduardo
Genial.
Fiz o teste agora pela amanhã usando outro padrão de teste da Stereophile.
Achei 3 vibrações fortes na sala e outras menores, mas a diferença foi gritante mesmo. A mudança realemnte é muito grande.
Porque essa dica não veio antes? Eu já estava até desanimado com alguns problemas irritantes que agora sumiram.
No meu caso os 3 maiores problemas foram a janela, a porta da sala e a estante. A janela consegui aumentar a pressão do trinco e agora ficou bem rígida. Na porta coloquei alguns calços no batente de borrachas destas de apagar cortadas em tiras finas e presas com dupla face no batente. Na estante ainda não achei uma solução definitiva para uma porta de vidro, mas por enquanto coloquei alguns livros que fazem com que o vidro fique pressionado quando fechada.
Tem que repetir o teste várias vezes porque não é muito fácil saber de onde vem a vibração, mas vale a pena o tempo investido e a paciência também.
Grato meu rei. Ficou dez.
Valeuuuuuuu………………..
Testei aqui também, e encontrei duas vibrações na sala, uma na porta e outra na tv.
Consegui colocar os calços na porta sugerido pelo colega, e na TV coloquei papel dobrado no supoerte de apoio da tv para tirar o ferro de contato com ferro.
Uau !!! e não é que resolveu. Acabou o problemas e o som ficou melhor sem estas vibrações e eu nunca tinha percebido que elas estavam lá.
Eu notava alguma coisa estranha mas sempre achei que eram as gravações mesmo, pois só apareciam algumas vezes.
Aproveitando a intrusão, alguém pode me indicar uma loja que venda vinil no Rio?
Muito agradecido pelas dicas deste site.
Luis R. Vital
Eduardo,
A “energia elétrica suja” pode causar tantos problemas quanto as vibrações no que se refere à qualidade sonora? Eu sei que estou fugindo um pouco do tema do artigo, mas gostaria que você pudesse fazer uma comparação destes problemas no sentido de quantificar o seu grau de importância na montagem de uma sala de audição.
Obrigado,
Renato
A “sujeira” da energia elétrica é um problema enorme.
Tratei sobre a questão de uma boa instalação elétrica em meus artigos sobre construção de uma sala dedicada.
Acústica e elétrica são de grande importância para o bom desempenho de um sistema.
Muito bom. Vou fazer meus testes também.