O certo e o errado na busca pelo melhor desempenho de nosso sistema de som.
Por: Eduardo Martins
Fiquei muito satisfeito com a repercussão que teve a minha última postagem sobre a importância da acústica para o resultado final do desempenho de um sistema de som.
Recebi muitas manifestações de vários leitores comentando ou fazendo questionamentos adicionais sobre o assunto, além das consultas técnicas que já se tornaram habituais.
Recomendo, apenas, que façam estas manifestações no espaço adequado ao final de cada artigo, pois muitas dúvidas, aparentemente individuais, refletem aquelas de muitos leitores, colaborando para que haja assim uma maior disseminação de informações.
Em função do grande interesse de nossos leitores pela acústica, resolvi me dedicar a novos artigos ligados ao mesmo tema, e assim trago aqui um texto que não é meu, mas sim do renomado especialista Nyal Mellor, que além de manter uma das mais importantes empresas de áudio high-end na Califórnia, EUA, também contribui com inúmeros textos sobre o tema, compartilhando conhecimentos de uma forma generosa, sempre disposto a ajudar o audiófilo a conhecer melhor o seu sistema de som e aprimorá-lo com as inúmeras técnicas que divulga.
Sua parceria com Jeff Hedback, outro especialista desta área, rendeu como fruto o excelente guia Acoustical Measurement Standards for Stereo Listening Rooms, que pode ser baixado gratuitamente AQUI, e é de leitura obrigatória para quem se interessa pelo assunto e quer conhecê-lo com a profundidade necessária para dispensar os “ensinamentos” de curiosos que infestam a internet com bobagens.
O texto de Nyal foi originalmente criado para estabelecer um limite para o uso de correção digital da acústica da sala, mas resume de forma bem interessante o processo para otimizar um sistema de som, com o que deve ser realmente feito, e comparando com o que normalmente é feito de forma equivocada.
Vamos ao texto, que foi por mim traduzido para maior alcance de todos os nossos leitores:
Quando Usar a Correção Digital da Acústica da Sala (E Quando Não Utilizá-la!)
Por: Nyal Mellor
Muitas vezes eu fico frustrado com a forma como as pessoas esperam que dispositivos de correção de sala resolvam todos os problemas acústicos de sua sala. Os dispositivos de correção de sala são excelentes para algumas necessidades, particularmente removendo a influência negativa dos modos da sala (picos e vales), mas não conseguem resolver muitos problemas acústicos. Eles devem ser vistos como um complemento ao adequado tratamento acústico dos primeiros pontos de reflexão.
Esta postagem neste blog foi extraída de um tópico recente no fórum Computer Audiophile, onde eu afirmei:
O processo para otimizar um sistema deve ser:
1) medição do sistema (equipamento, caixas acústicas + sala)
2) projeto do esquema de tratamento acústico para solução dos problemas (primeiras reflexões, ressonâncias modais, etc.)
3) ajuste do sistema (posicionamento das caixas acústicas, posicionamento do ponto de audição
4) utilização do dispositivo de correção do sala como o último recurso para problemas de ressonância modal abaixo de 100Hz ou mais
Depois de fazer isso, você pode começar:
5) corrigir problemas das caixas acústicas como atrasos, correção de fase usando algo como um processador DEQX
6) sintonizar todo o resto, incluindo alimentação elétrica, arranjo dos equipamentos, cabeamento etc.
Mas normalmente é assim
a) comprar equipamentos caros
b) posicionar as caixas acústicas onde eles pareçam bem com pouco ou nenhum conhecimento sobre a melhor localização
c) gastar muito tempo se preocupando com cabos e coisas pequenas que fazem poucas diferenças
d) ignorar a sala porque você não entende a importância disso
e) pensar que alguma caixa preta mágica de correção de sala pode compensar a falta de cuidados com relação ao item b) e uma sala não tratada
Este texto busca, inicialmente, estabelecer o momento mais recomendado para a utilização de um dispositivo de correção digital da acústica de uma sala, mas também mostra a realidade exata de como a maioria dos audiófilos agem diante do tema.
Veja como o objetivo é a correção acústica da sala, e não a customização do sistema para atender às particularidades auditivas individuais, quando a correção eletrônica ganha um papel de maior importância.
Seu roteiro mostra como deve ser criterioso o ajuste do sistema, baseado em medições, projeto e ajustes, aliás, como nos ensinam as boas práticas que utilizam o conhecimento científico e os instrumentos específicos para orientar as correções necessárias.
Deste texto, podemos extrair algumas lições importantes.
A medição do sistema com equipamentos apropriados é o ponto de partida para conhecermos de fato o que ocorre em nosso sistema.
Alguém pode afirmar que os nossos ouvidos bem treinados são suficientes para isso. Lamento desapontar quem pensa assim, mas essa idéia é falsa.
Da mesma forma que médicos, inclusive muito experientes, solicitam exames clínicos para uma avaliação mais precisa das condições de saúde do paciente, as avaliações objetivas feitas com instrumentos dedicados de medição são importantes para que tenhamos uma precisão necessária na nossa avaliação, afastando a perigosa subjetividade que é quase uma regra em nosso hobby.
Podemos, ainda, perceber que o autor destaca a importância de um projeto. Sem um estudo criterioso e um projeto detalhado, qualquer ação para tentar melhorar o desempenho do nosso sistema não passara de um “tiro no escuro”. Experiência prática conta, e não podemos desprezar isso também, mas o melhor pedreiro desse mundo pode derrubar um prédio, apesar de toda a sua experiência com construção, se não fizer um estudo adequado das condições do solo, das vibrações e de outros fatores necessários para a elaboração de um projeto que contenha todo o cálculo estrutural necessário para garantir a integridade do prédio.
Perceba que o autor, ao mostrar a forma habitualmente utilizada para se fazer os ajustes, destaca dois erros que observamos com muita frequência: “a) comprar equipamentos caros” e “c) gastar muito tempo se preocupando com cabos e coisas pequenas que fazem poucas diferenças“.
Quantas vezes já não vimos esta história?
É muito comum o audiófilo dar uma importância exagerada a equipamentos, normalmente mais caros e de “grifes famosas”, e depois gastar mais uma pequena fortuna experimentando cabos na tentativa de fazer o ajuste do seu sistema.
Esse hábito não é culpa do consumidor, mas de todo um sistema criado em sua volta que busca destacar a importância exagerada de equipamentos, como se a cada lançamento houvesse realmente um salto “gigantesco” de qualidade (o mercado utiliza adjetivos ainda mais sedutores). A sugestão de se utilizar cabos para realizar o ajuste de um sistema também sofre com a influência de alguns segmentos, tanto industrial e comercial como editorial, que obtêm lucros significativos com essa paranoia de cabos “mágicos”.
Quem toma conhecimento da curva de comportamento acústico de sua sala, na resposta de frequências de seu sistema, sabe que é impossível encontrar um cabo que irá atuar pontualmente em cada um dos picos e vales presentes nesta curva, e na intensidade necessária para que a correção seja realizada com precisão. Isso mesmo, não é uma opinião pessoal, mas um fato que nos prova que isso é realmente impossível, até porque cada sala possui uma característica específica de comportamento, sendo impossível encontrar duas salas com exatamente as mesmas características de resposta.
Enquanto não lançarem um cabo “inteligente”, capaz de fazer todas as medições necessárias e realizar os ajustes de forma precisa e pontual, o que vemos são meras tentativas de se ajustar artificialmente e de forma imprecisa alguma característica bastante específica.
Mas, o mercado continua insistindo que cabos (de preferência bem caros) são adequados para fazer o “ajuste fino” do seu sistema, quando na verdade não conseguem fazer sequer um ajuste grosseiro. Porém, alguns “profetas” do áudio, travestidos de “especialistas” e “consultores”, defensores do subjetivismo e de seus fenomenais ouvidos, conseguem afirmar que um cabo pode provocar um salto gigantesco de qualidade no resultado final de seu sistema, muitas vezes baseados em avaliações de produtos feitos na “orelhada”, e quando o consumidor se dá conta, descobre que já caiu na armadilha, tornando-se mais uma vítima do famigerado “upgrade“.
O autor não cita somente cabos. Perceba que ele menciona: “e coisas pequenas que fazem poucas diferenças“. Eu incluiria aí vários dos famosos “fusíveis audio grade“, muitos racks audiófilos, dispositivos anti-vibração (a maioria totalmente inúteis e longe de proporcionar os efeitos informados) e toda espécie de acessórios “mágicos” que surgem periodicamente, e, coincidentemente, sempre muito caros. Há quem diga até que spikes funcionam como “diodos”, impedindo que vibrações sejam conduzidas por ele numa determinada direção. Verdadeiros absurdos !
Há quem queira talvez argumentar que “poucas diferenças” ainda são diferenças. Acredite, estas poucas diferenças são muito poucas mesmo, com resultados realmente desprezíveis na prática, onde outras ações muitas vezes mais baratas ou totalmente gratuitas certamente proporcionariam resultados reais e com ganhos de fato.
É importante conhecermos os caminhos que nos levam ao sucesso, e isso em qualquer segmento de nossa vida, pois o caminho errado possui muitas armadilhas e poucos facilitadores.
Nyal Mellor é figura bastante conhecida dos fóruns no exterior, profissional competente e com notório conhecimento em acústica.
Sua explicação é bastante realista, e é exato com o que observo há anos.
Sabe quando isso vai mudar? Nunca.
A maioria dos audiófilos são exibicionistas e pouco esclarecidos. Equipamentos e cabos ainda são prioridades na montagem de suas salas.