O escândalo MoFi e o que o mundo audiófilo aprendeu com isso

Uma reflexão sobre o que exemplos como o escândalo da MoFi pode nos ensinar.

Por: Eduardo Martins

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De tempos em tempos o universo audiófilo é abalado por notícias desanimadoras sobre fraudes e outras enganações. Parece ser um mercado frágil, ingênuo, inocente a de fácil convencimento.

Há pouco tempo vimos uma marca conhecida e respeitada de fones de ouvidos, apreciada por muitos audiófilos, envolver-se em um escândalo por, supostamente, anunciar um grande número de drivers em seus fones, porém, descobriu-se que na verdade nem todos eram funcionais.
O fabricante tentou negar, depois assumiu que havia um problema de colagem na fabricação desse modelo que provocou uma falha de funcionamento, e, por último, alegou fiação invertida, sugerindo até substituir ou reembolsar os valores pagos nestas unidades “defeituosas”.

Cansamos, também, de ver equipamentos de qualidade mediana com “roupagem” de grife, sempre oferecidos a preços muito mais elevados do que as versões originais camufladas, e que ganharam até elogios da imprensa “especializada”.
Teve cabo ruim instalado por engano numa apresentação e que foi elogiado pelo palestrante que não percebeu o erro, e tentou ainda convencer todos os presentes que eles estavam ouvindo um cabo de alto desempenho, até apontando as suas qualidades “maravilhosas”.
E teve ainda um caso de cabos iguais apenas com capas de cores diferentes recebendo avaliações distintas, sempre com o mais caro ficando no topo da lista, óbvio.

Mais recentemente, o mundo audiófilo foi pego novamente de surpresa, quando a MoFi (Mobile Fidelity Sound Lab), uma empresa famosa por produzir discos de vinil “puramente analógicos” desde a matriz, com uma qualidade considerada “extraordinária” pelos amantes do som analógico, se envolveu num escândalo ao se descobrir que o processo de gravação de seus discos envolvia etapas de conversão digital, sem que os treinados ouvidos de “especialistas”, avaliadores, “experientes audiófilos”, e daqueles que afirmam detectar a “clara” existência de “digitalite” numa gravação manipulada digitalmente pudessem perceber a diferença. Isso chocou parte do universo audiófilo que era enganado há 10 anos pelos seus próprios ouvidos “exigentes e treinados”.

Já comentei o caso aqui de um “avaliador” de gravações que sempre enalteceu fanaticamente a superioridade dos discos de vinil sobre os CDs, na visão dele o “massacre” do analógico sobre o digital, o que só por isso já demonstrava sua desatualização em relação aos modernos formatos digitais que já deixaram o CD para trás há bastante tempo.
Na sua ânsia de enaltecer o vinil, o avaliador sempre fazia comparações sobre características do vinil que superavam aquelas do CD. Mas, num grupo de whatsapp que participei, descobriu-se que o sistema digital que ele usava para fazer as suas comparações apresentava um problema técnico, que foi posteriormente solucionado e todos aqueles defeitos que ele mencionara durante anos em que colocou o CD em desvantagem, simplesmente desapareceram.

Não reparem no meu uso excessivo de aspas, mas estes títulos e atributos usados pelo mercado são pra lá de fantasiosos. Hoje todo mundo é especialista, articulista, avaliador, engenheiro de som, guru, e qualquer outra coisa que se autointitulem, mesmo sem ter qualquer formação técnica nos assuntos que querem dominar.

O mercado mudou muito nas últimas duas décadas. Lembro que quando eu ingressei nesse universo do áudio de alta fidelidade, haviam “respeitados” formadores de opiniões, críticos “especializados”, publicações, e “experientes audiófilos” que infestavam (e ainda estão por aí) os fóruns de discussão de áudio, compartilhando informações equivocadas de toda espécie, seja por quais razões, para beneficiamento econômico ou simplesmente alimentar os seus pobres egos.
Foi naquela época que surgiu todo tipo de bobagem, de acessórios exóticos sem qualquer utilidade real, de artigos contraditórios, e até fotos de sala manipulada em editor gráfico para fazer o leitor crer em algo que não era real. Foi a festa dos cabos audiófilos, fusíveis “audio grade”, canetinhas para pintar borda de CD, e toda uma magia se dizendo capaz de transformar um sistema mediano no mais sofisticado dos sistemas High-End.

Este último escândalo envolvendo a MoFi rendeu até ações de consumidores exigindo indenizações. Mais curioso é o fato das tais gravações audiófilas serem elogiadas e consideradas o ápice da perfeição, até o momento em que se descobre uma interferência digital e a indignação de não ter uma produção totalmente analógica muda todo o conceito sobre estas mesmas gravações. O efeito placebo.
Tenho certeza que surgiram até audiófilos que, depois desse anúncio, ouviram com mais cuidado as gravações e começaram a achar que podiam ouvir a “digitalite” presente, o mesmo público que ignora que mesmo as mídias digitais são reproduzidas no âmbito analógico, não tendo nenhum componente digital no som reproduzido.
Mas, o mercado é cheio de “engenheiros” formados pela longa experiência proporcionada pelos seus ouvidos infalíveis, e todos eles passam a inventar coisas absurdas para justificar os seus ainda mais absurdos argumentos.

O mercado de áudio é uma fraude? Não, não é. Felizmente tem muita gente séria nesse negócio, mas a quantidade de pilantras, infelizmente, é muito grande.

Eu considero esse escândalo na MoFi um dos mais graves e simbólicos desse universo fantasioso criado pelo mercado.
Na verdade os consumidores destas gravações não admitem a sua parcela de culpa, o fato de terem ouvido o que queriam ouvir, e não o que ouviram de fato. O poder da sugestão criando um subjetivismo artificial, que nunca existiu realmente.

Culpa também de revisores audiófilos “profissionais” conceituados que afirmam há muitas décadas não gostarem do que chamam de “som digital”, sempre garantindo serem capazes de facilmente perceber a diferença entre uma tecnologia e outra. Foram também estes revisores que elogiaram a alta qualidade das gravações da MoFi enquanto achavam mesmo que eram produzidas 100% a partir de formatos analógicos.
Portanto, essa é uma situação que causa um forte embaraço e um grande constrangimento ao mercado, que em alguns casos tentou até justificar a sua incapacidade de perceber a fraude com os mais frágeis argumentos, que os transformaram em piadas no mundo audiófilo.

E o que aprendemos com isso?

Há muito tempo venho denunciando as mentiras do mundo audiófilo, principalmente desse universo apoiado em equipamentos e acessórios apresentados como sendo de nível “High-End”.
Eu sofri críticas, ameaças, ataques de publicações que visavam apenas preservar a falsa credibilidade dos seus conceitos equivocados ou manipulados, provocações e críticas de foristas que, sem o menor conhecimento e se achando experiente no assunto, absorviam e replicavam estas mentiras. Fui atacado por lojistas, importadores, fabricantes e todo um universo de aproveitadores que precisavam manter viva a ilusão do universo misterioso da audiofilia requintada e cara.
Convivemos com pessoas sem qualquer qualificação técnica tentando explicar fenômenos científicos (vemos muito disso em fóruns até hoje), e o pior, vimos estes mesmos amadores, editores e outros “interessados” buscando desmerecer a ciência e os profissionais realmente qualificados.
São os mesmos que foram obrigados a rever alguns argumentos de sustentação das suas afirmações insanas e contraditórias, mas, mudaram apenas a forma de apresentar estes argumentos, que continuam ainda muito longe da realidade.

E são esses que ainda insistem em criar listas de “Verdades e Mentiras do Mundo Audiófilo”, tentando ainda disciplinar o mercado na direção de seus interesses.
Li uma dessas listas recentemente, e a indignação foi grande. Parece que todos estes recentes eventos dos últimos anos continuam não servindo para nada, e o que vale mesmo é o que sai das suas cabeças com pouco conteúdo útil.

Muitos fingem que nada aconteceu, que tudo isso não é com eles, que há sempre uma explicação para tudo (nunca científica, claro), que o subjetivismo ainda deve ser o alimento destas fantasiosas percepções que inexistem de fato, que todos nós ouvimos iguais quando isso lhes interessa para rebater a necessidade de uma customização de sistemas, mas que ao mesmo tempo ouvimos diferente se não tivermos a mesma experiência (imaginária) que eles têm.
Continuam fugindo de testes cegos, de verdades científicas, do fato incontestável de que sistemas de som precisam ser ajustados aos nossos ouvidos, da realidade de que os seus conhecimentos são muito limitados e que só servem para atender aos seus próprios interesses pessoais.

Há muita resistência por parte destes “gurus” do áudio. Temos muita luta pela frente, muito espaço ainda para evoluir, e estes acontecimentos são importantes para cada vez mais destruir essas fantasias que, se antes eram feitas de aço (aço de qualidade audio grade, óbvio), hoje são feitas de gelo, e vão se derretendo aos poucos.
Mas temos que fazer a nossa parte também, começar a desconfiar mais, questionar mais, aceitar menos e aprender cada vez mais com escândalos como este da MoFi e de outras origens.

For the serious audiophileend

6 Comentários

  1. Acho que o MoFI Gate causou mais indignação pelo fato da empresa ter “enganado” os consumidores esse tempo todo, não pela qualidade de seus produtos que independente disso, continua excelente, e sim pelo fato de cobrarem preços que só se justificariam se o processo estivesse de fato sendo AAA por conta de uma maior tiragem estar relacionada ao desgaste das fitas masters.
    Independente do estágio digital, os discos da Mobile Fidelity continuam, pelo menos para mim na maioria dos casos, tocando melhor e por vezes muito melhor do que prensagens comuns, em relação a isso nada foi alterado depois do escândalo.
    Sei que a reflexão aqui é sobre o fato de muita gente achar que os discos seriam superiores por serem AAA, mas ficou provado que esse é apenas um dos fatores que importam na hora de um disco soar bem ou não, tanto que nem Mobile Fidelity morreu depois disso, e nem Analogue Productions cresceu absurdamente, pois no final o que importa é a qualidade do produto, e nisso ambas são referência em qualidade.
    Outro exemplo disso é a Speakers Corner, que produzem discos sempre AAA (com exceção do Alan Parsons – Eye in the Sky) mas que na prática tocam bem inferiores em qualidade sonora quando comparado ao mesmo título lançado pelo Mobile Fidelity, pelo menos na minha experiência.

  2. Olá Tiago
    Obrigado pela sua contribuição.
    Sim, concordo com você. Eu já ouvi discos da MoFi e realmente tocam muito bem.
    Exatamente o que você disse, o foco aqui não foi desmerecer a qualidade de gravação da MoFi, mas o fato do consumidor acreditar que estava ouvindo uma gravação puramente analógica e livre de conversões digitais, e defender que esta seria superior por justamente não existir essa interferência digital. Ou seja, o purismo analógico tanto defendido como diferencial estava comprometido sem que os defensores do formato pudessem identificar a diferença.
    Isso é importante para demonstrar que os ferrenhos defensores de cada formato, na verdade, não conseguem diferenciá-los na prática, ou seja, quem alega que a manipulação digital provoca a tal da “digitalite”, por exemplo, acabou de descobrir que essa digitalite não existe de fato, mas somente na sua subjetividade quando confrontado a perceber as diferenças.
    Mais uma vez fica demonstrado o quanto a subjetividade pode ser perigosa, e porque tanta gente foge de um teste cego. Se o público alvo dessas gravações fossem leigos, isso até seria aceitável, mas havia nesse universo de ouvintes críticos de gravações, avaliadores de equipamentos, “especialistas” em gravações, e ninguém, absolutamente ninguém conseguiu perceber que havia uma etapa digital na produção dos discos, sempre enaltecendo as gravações e destacando as suas qualidades resultantes de processos puramente analógicos.
    Abraços
    Eduardo

  3. Esse é o universo hiend qu engana os experientes editores, críticos, avaliadores e todos os pilantras que se acham os expertos de áudio.

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