Recentemente fui convidado para conhecer um sistema “hi-end” de São Paulo, e lá estive com alguns amigos audiófilos.
O grande mérito, segundo o feliz dono do equipamento, era que seu sistema não tinha “frescuras de hi-end”, ou como dizem alguns “era livre de voodoos”. Isso é uma forma de dizer que tudo o que se pesquisa e é tecnologicamente desenvolvido em áudio, não passa de bobagem.
Seu sistema, estéreo, era composto por um DVD player de baixo custo, chinês, modificado, como fonte. As caixas até que eram aceitáveis, mas antigas e, portanto, um pouco defasadas do atual patamar de tecnologia.
Um amplificador de baixo custo, mas de boa qualidade, completava a parte dos equipamentos.
Como acessórios… nada. Os cabos eram, segundo expressão utilizada pelo próprio dono do sistema: “safados”.
Tratamento acústico? Nem pensar. Móveis, paredes nuas e piso frio interagiam com o som.
As gravações reproduzidas variaram muito, e até alguns poucos bons discos foram tocados.
Depois de fazer o seu “show” , tocando inúmeras faixas de “demonstração” (sempre sem terminá-las…), e falando das qualidades sonoras do seu sistema sempre com um ar de superioridade, ele resolveu, finalmente, pedir a opinião do grupo à respeito do que havia sido apresentado.
Para minha surpresa e desespero, os três amigos que me acompanhavam elogiaram o seu sistema, concordando com os repetidos elogios que o próprio apresentador fazia.
Nesse momento, fui tomado por uma forte decepção e preocupação de que tudo que eu havia aprendido sobre áudio de qualidade poderia ser uma grande ilusão. Preferi não emitir a minha opinião, ficando calado.
Ao sairmos da casa daquele amigo, e como dividíamos o mesmo carro, voltamos conversando sobre o que havíamos presenciado.
Para minha surpresa (e alívio), meus amigos começaram a apontar incontáveis defeitos que haviam percebido.
Quando lhes questionei porque omitiram tudo aquilo quando prestaram seus depoimentos após a audição, eles responderam: “não íamos chatear o rapaz, né?”
Afinal, o que fizemos realmente de bom? Participamos do engano e da ilusão de alguém que nos pediu uma opinião e, pior, o fizemos acreditar que ele realmente estava certo, colocando-o numa condição de oferecer sua “fabulosa” experiência como exemplo para eventuais incautos.
Isso foi um erro, e mesmo tendo ficado em silêncio, mais pela incompreensão do que estava acontecendo, também tive a minha parcela de culpa.
Claro que ouvimos diferente e temos uma percepção às vezes bastante pessoal da realidade, mas o fato é que algumas coisas não mudam, por mais que possamos vê-las (ou ouví-las) de uma forma diferente.
Se um amigo me perguntasse se estava bem trajado para um casamento tradicional, usando uma bermuda vermelha, camisa amarela e uma gravata verde, certamente teria que esperar a minha resposta para depois das risadas. Sinto muito se vou chateá-lo, mas seria sincero.
O player, mesmo modificado, era muito limitado.
Nada tenho contra modificações, no sentido de melhorias, afinal meu DAC, que já era excelente, ganhou muito com a substituição de alguns componentes, e existem pessoas fazendo um bom trabalho nesse sentido. Mas, não era o caso dele.
Não se transforma um Fusca num Corolla modificando algumas peças. Não se transforma um celular barato num sofisticado modelo topo de linha.
É possível ganhar algumas qualidades, tornando, por exemplo, o motor de um fusca tão potente como o de um carro melhor, mas ele nunca terá o mesmo conforto, durabilidade, segurança, economia e harmonia de um conjunto já concebido num patamar superior.
Definitivamente, players de DVD baratos não são adequados para compor um sistema de alta fidelidade, e em minha opinião, para quem busca um sistema verdadeiramente hi-end, nem mesmo um modelo mais sofisticado pode substituir plenamente um player dedicado. Talvez um caríssimo e sofisticado modelo topo de linha possa ser satisfatório em alguns casos.
Sua descrença por diferenças entre cabos, e o fato de ter feito as piores escolhas para estes componentes, já denota suas limitações. Muitas vezes essas limitações são auditivas, pela idade ou pela contínua exposição ao ruído exagerado, pela perda de sensibilidade notada pelos volumes exagerados que normalmente ouvem seus sistemas “milagrosos”. E sequer um exame audiométrico é capaz de identificar com segurança essas limitações.
É esta uma das diferenças que normalmente aponto entre o audiófilo e o possuidor de sistema audiófilos. A capacidade de perceber sutilezas e identificar as diferenças de qualidade de um bom componente e outro inferior não é para todos.
Muitos acreditam que gastar US$ 20 mil em equipamentos de alto nível os tornam audiófilos, outros, como o nosso amigo aqui em questão, que seu sistema livre de frescuras e “voodoos” realmente toca tão bem como ele acredita, ou como os seus convidados gentilmente confirmaram.
Pior do que não reconhecer as suas limitações, pode ser o fato dele querer oferecer seus “conhecimentos e habilidades” para os iniciantes neste mundo da alta fidelidade, seja em encontros ou mesmo registrando suas distorcidas percepções em fóruns de debates, onde muitos procuram conhecimento sobre o tema, para compor o seu sistema com segurança.
Claro que não vamos obrigar ninguém a mudar o que possui. Afinal, se por conta de suas limitações, ele não se beneficiar de um melhor acerto em seu sistema, porque fazê-lo gastar mais? Porém, é preciso que ele saiba que sua experiência é individual, bastante específica, e não pode ser considerada uma referência.
Faço assim uma crítica a todos que, no intuito de não causar qualquer desapontamento a alguém, não contribui para o seu acerto. Para aqueles que, mesmo percebendo que a pessoa possui claras limitações, fortalecem a sua falsa idéia sobre algo. E, neste parágrafo, não estou sendo específico com o universo do áudio, mas fazendo essa observação válida para qualquer outro tema.
Se a boa intenção em não causar um desapontamento pode ser bem vista, as suas conseqüências para o desenvolvimento de nosso hobby podem ser bastante negativas.
Melhor dizer a verdade.
Vc sempre está dizendo que um DVD player não se equipara a um cd dedicado, por ser este melhor construído e direcionado especificamente para a função, sendo o DVD universal um faz tudo que não é bom em nada, mas lembro-me de ter visto uma vez um cd player de grife muito premiado no exterior, com a tampa aberta, que mostrava seu interior e dentro havia uma unidade de cd de computador (!!!) inteirinha, até havia um cabo flat de 40 pinos ligando a unidade ao circuito do aparelho, então não é meio complicado isso?
Caro Marcos,
Estamos falando de duas coisas diferentes, de um equipamento e de um componente do equipamento.
Um player universal possui circuitos de vídeo, e ainda inúmeros outros componentes e recursos para “ler tudo”. Evidente que o compromisso do aparelho fica comprometido.
Recentemente comprei um modelo de BD top de linha da Marantz. O equipamento é incrível, excelente mesmo, mas sua reprodução em SACD foi uma decepção, inferior ao SA8001 que uso exclusivamente para SACDs e como transporte para CD.
É muito arriscado falar sobre unidade de CD de computador de forma pejorativa, pois saiba que o compromisso de um leitor de computador (na área digital) é normalmente muito maior que de um player de áudio. Veja que sua função é realizar a leitura digital, ler os “sinais” gravados no disco. Portanto, não importa se é uma unidade exclusiva para áudio ou genérica (também para computador). É muito importante que depois da leitura do disco todo o sinal seja “processado” muito bem adiante. E é aí que um player dedicado, com todos os recursos empregados direcionados exclusivamente para áudio se sai melhor.
Afirmo que alguns players de DVD até se saem melhor que alguns exclusivos para áudio, mas quando falamos de categorias diferentes.
Se você tomar um DVD de 1.000 dólares e compará-lo com um CD player de 200 dólares, pode até haver alguma vantagem para o primeiro. Mas, dentro da mesma faixa de preço, lembre-se que o modelo dedicado para áudio usou todo o investimento em áudio, sem se preocupar em compartilhar o investimento com inúmeros outros componentes para vídeo. Além disso, há sempre a “poluição” eletrônica dos estágios de vídeo. Alguns equipamentos até permitem desligar a etapa de vídeo por conta disso, mas te garanto que mesmo assim o resultado ainda não é o mesmo.
Desconfio muito de players universais “mágicos”, onde os reviewers dizem que ele toca áudio com a melhor qualidade do mundo. Cansei de testar isso, e nunca vi algo assim. Por isso desconfio muito destas avaliações, até porque alguns usuários com sistemas de som mais sofisticados não confirmam isso.
Em sistemas verdadeiramente hi-end, a distância é bem perceptível.
Abraço
Eduardo