Projeto “A Caixa” – Parte IX – Ajustes

Depois de concluída a montagem das caixas, elas foram deixadas funcionando por mais de 200 horas. Durante esse período de amaciamento as caixas se aproximaram de suas características finais, e posteriormente alguns ajustes foram realizados. Para compreender melhor como funcionam estes ajustes, acompanhe este capítulo.

Como já mencionamos nos capítulos anteriores, estas caixas foram idealizadas sempre com o objetivo de se ajustarem aos equipamentos e à sala de instalação (e lógico…  aos meus ouvidos).

Já sabemos que não existe uma caixa ideal, e que cada modelo possui características próprias de acordo com a intenção do projetista.
Um projetista inglês me disse que no momento de se definir pelo lançamento de uma nova caixa para o mercado, a primeira coisa que se faz é definir quais serão suas características. Assim, tenta-se imaginar que tipo de equipamento será utilizado com ela. Ele comentou que, por exemplo, uma caixa projetada para trabalhar com um amplificador transistorizado pode se mostrar um desastre ao tentar combinar com um modelo valvulado. E mesmo cada tipo de amplificador possui características muito distintas que interferem no desempenho das caixas, como potência, capacidade de atender picos de alta corrente, fator de amortecimento, resposta de frequência, assinaturas sônicas propositais e acidentais, distorção, ruído e inúmeros outros fatores. O mesmo acontece com os players (digitais ou valvulados), cabos, energia elétrica e… principalmente… a acústica da sala e o padrão médio de audição dos usuários. Ou seja, não existe uma regra. Uma caixa não é  (e nem pode ser) padronizada, e cada fabricante adota seus parâmetros tendo ainda como base o gosto de seu público e as reações dos avaliadores.

Pegue as melhores caixas dos mais renomados fabricantes mundiais e descobrirá que todas tocam de forma diferente.
Não se trata de dificuldade para conseguir fabricar uma caixa teoricamente  ideal, mas tão somente de tentar produzí-la com  boa qualidade e dentro de suposições de utilização.
O mercado é muito estranho, e alguns parâmetros são bastante “incompreensíveis”. Por exemplo, alguns equipamentos elogiados pelo público e até pela crítica apresentam altos níveis de distorção. Apesar da óbvia deterioração do som, muitos afirmam que ele fica melhor que outro sem distorção. Muito curioso, e isso novamente reforça a minha tese de que som ao vivo não é referência, pois alguns consumidores preferem o som alterado, afinal, distorção é uma alteração.
Alguns já não aceitam isso, como citamos no caso do amplificador DarTZeel, que divide opiniões justamente por conta de problemas com distorção, separação entre canais e outros desvios do que seria considerado ideal.
Assim, alguns adoram o equipamento, outros o odeiam. Eu sou um dos que se incomodam com isso.
Mas, isso é assunto para outro artigo que já comecei a escrever.

Veja como é difícil estabelecer as características de um equipamento, principalmente de uma caixa acústica.

Por isso estas caixas que construí, desde o começo, deveriam fugir deste conceito de “adotar e tentar”. Elas teriam que ser ajustáveis à sala e ao restante do sistema, qualquer que fosse esse e onde fosse.

Desta forma, um dos primeiros cuidados foi com o divisor de frequências. Ele deveria permitir alguns ajustes para otimizar níveis de sinal, frequências, fases, cortes, etc. Além disso, deveria permitir uma flexibilidade muito grande no difícil ajuste dos graves, ainda considerando que estas caixas teriam graves muito extensos.

Se observarmos a fotos do divisor de frequências, abaixo, notaremos duas placas amarelas que justamente estão aí para facilitar os ajustes.

A placa da esquerda, através de uma simples combinação das conexões, permite trabalhar com um falante de graves ou com os dois possíveis, mudar a impedância do conjunto para 4, 8 ou 16 ohms, alterar a sensibilidade das caixas, fase dos falantes, posição de funcionamento, inclusão de novos componentes de ajustes, etc.
Tudo isso afetará a forma de funcionamento da caixa, permitindo fazer o que se quiser com os graves.

A placa da direita também interliga o divisor de frequências ao falante de médios, tweeter e super tweeter (que está sendo substituído pelo fabricante por um modelo customizado). Essa facilidade de conexão permite total liberdade para qualquer ajuste no funcionamento destes componentes, e foi essencial para inclusão dos L-pads para os ajustes finais.

O acesso traseiro da caixa também é um recurso providencial. Por alí é possível modificar facilmente a quantidade de material acústico no interior da caixa, substituir essa tampa por outra sem duto ou simplesmente fechar o duto, para funcionamento em modo selado. Por essa abertura também é possível mudar o volume interno da caixa facilmente, incluindo uma tampa com ressalto interno ou saliência externa, ou mesmo utilizando um enchimento rígido no interior do gabinete.

Logo no início dos testes já pude realizar ajustes diversos para encontrar o melhor resultado para o meu sistema. A caixa foi completamente customizada para a aplicação específica em minha sala.
Percebi dificuldades com o super tweeter. Mesmo sendo considerado  o  melhor e mais sofisticado do mercado, ele apresentou um pequeno incômodo auditivo, justamente por conta do que comentei logo acima: distorção.
O fabricante informou que tinha a solução para isso, mas justamente não a implementava por razões de custo e porque a maioria do mercado não é sensível ao problema.
O componente retornou ao fabricante que realizará algumas modificações, inclusive com a substituição de um componente de plástico por outro de alumínio usinado, e a utilização de um domo de material mais nobre.
Aqui podemos perceber a importância destes recursos de ajustes. Fica fácil identificar de quem é a culpa por qualquer desvio de desempenho, pois tudo na caixa pode ser modificado a qualquer instante.

A substituição de componentes por lançamentos mais atuais também é bastante simples, já que tudo pode ser reajustado para o novo componente. Como os falantes utilizados são modelos de alta qualidade e já customizados dentro de uma exigência técnica mais elevada, a necessidade de substituição destes componentes parece distante, mas certamente será necessária um dia.
Apenas por curiosidade, substituímos os tweeters originais de uma caixa Dynaudio e de outra da Thiel, e a diferença surpreendeu a todos. Isso nos  mostrou que o mercado hi-end de áudio, que supostamente deveria receber o melhor aperfeiçoamento possível em seus componentes, na verdade é tratado com certa reserva pelos fabricantes, muito provavelmente preocupados com custos e margens de lucros. No caso destas caixas, no patamar em que se encontram, isso é inaceitável em minha opinião.

Aguardo a chegada dos novos super tweeters e de mais duzentas horas de amaciamento das caixas para a realização de novos ajustes.
A utilização do super tweeter é necessária, pois tweeters convencionais, principalmente do tipo softdome, têm uma extensão bastante modesta.

O toe-in, depois de alguns ajustes nas caixas, foi eliminado neste final de semana prolongado pelo feriado que me permitiu realizar inúmeros testes, motivados inclusive pela substituição de meus amplificadores (pré/power) e de meu DAC, além da inclusão de alguns novos cabos.

Amigos audiófilos que estiveram presentes nesta oportunidade foram unânimes em afirmar que de todas as caixas que já tive em minha sala, próprias ou para testes, estas novas ficaram muito à frente em qualidade em relação àquelas.
Dentre as características mais destacadas, percebemos graves muito extensos e naturais, de uma precisão que eu nunca havia conseguido antes com nenhuma das caixas testadas. Pela primeira vez ouvi um solo de baixo parecer tocar dentro de minha sala, com uma naturalidade surpreendente.
Os médios e agudos também impressionaram. É possível acreditar que os músicos estão dentro da sala, ou sendo mais preciso, alguns estão fora dela, tamanha a extensão do palco sonoro.

O que mais me deixou feliz, depois destes testes iniciais, foi saber que tudo isso pode estar ao alcance de qualquer um. E da minha parte, fornecerei as orientações, desenhos, fontes, fotos e especificações necessárias para quem desejar reproduzir este trabalho.

Na próxima parte desta reportagem fornecerei  outras características técnicas destas caixas, e espero ainda publicar algumas medições para comparação com as outras testadas, utilizando instrumentos específicos para isso, um deles inclusive recentemente adquirido para esta finalidade.

4 Comentários

  1. Olá Eduardo

    Parabéns novamente pelo belo material publicado.

    Você poderia estimar qual foi o custo total dos falantes utilizados (estes que vc falou que não podem ser adquiridos normalmente) e o custo dos que poderiam ser adquiridos por vias normais, para termos uma noção da diferença entre o céu e a terra?

    Grande abraço

  2. Olá Vintagew,

    Ainda não fechei o custo total destas caixas, mas em relação aos alto-falantes é bastante difícil estimar um custo de mercado, já que não são modelos de fabricação seriada, e nem encontrados facilmente no mercado.
    Dependendo do modelo, cheguei a pagar praticamente o dobro, mas ainda assim foi uma condição especial de fornecimento. Na última parte desta reportagem darei mais dicas do caminho a ser seguido para quem quiser adquirí-los.

    Abraço

    Eduardo

  3. Meu caro Eduardo,

    Somente quem conhece estas caixas ao vivo e a cores, como eu tive o prazer de conhecer, sabe realmente do que são capazes. E mais do que isso ainda tive o privilégio de acompanhar o nascimento delas.
    Recordo-me quando junto com alguns outros bons amigos, apreciando a Wilson Sophia em sua sala você nos disse que não era possível uma caixa superar aquilo. Mas hoje sabemos que é possível sim, desde que não seja feita por uma indústria mas por um artista com dedicação, carinho e muitas habilidades manuais e técnicas.
    Estas caixas são o sonho de consumo de qualquer um que aprecie o hi-end mais hi possível.
    Espero voltar logo a morar em São Paulo para poder ter mais oportunidades de ver e ouvir essas obras de arte, de muita arte.
    Você está de parabéns.

    Fortíssimo abraço,

    EAS

  4. Emílio,

    Obrigado pelas palavras, um tanto exageradas. Digamos que devo muito à Makita (ferramentas)…

    Você sempre será muito bem-vindo, e agradeço seu incentivo durante todo o projeto.
    Realmente tive a oportunidade de ouvir boas caixas em minha sala (parte II desta reportagem), e a Sophia foi a que mais admirei, não só pela qualidade sonora, mas pela sua construção simplesmente perfeita. A 802D também é um show à parte. São caixas maravilhosas e que podem satisfazer plenamente o audiófilo exigente, mas quem quiser seguir nesta direção e construir suas próprias caixas, terá toda a informação necessária para isso, inclusive os desenhos que estou terminando de revisar. Vale a pena. É um grande salto, e eu recomendo fortemente, apesar do trabalho que isso dá, porém muito compensador.

    Abraços

    Eduardo

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